Tão normal como fazer o vinho com as uvas criadas nas nossas terras, era o fabrico de aguardente no alambique comunitário da aldeia. Apesar de ser proibido no tempo do regime político que vigorou até 1974, tal não desmotivava os nossos pais e avós... Nesses tempos, houve apenas algum cuidado em o fazer de forma mais discreta. Creio que o alambique costumava estar guardado numa das casas do meio da aldeia e aí se fazia a aguardente. Mas, depois do 25 de abril, passou a ir de casa em casa, à medida que os moradores combinavam os dias para o seu uso. (Presentemente, parece que já não é usado – que pena!...)
Depois de feita a vindima, as uvas eram pisadas e feito o mosto, com recurso quase exclusivamente ao peso corporal dos homens (ou mulheres), descalços ou com botas de borracha. A maior parte desse mosto servia para encher a(s) pipa(s), para vinho. Mas os restos (as peles, os escardaços/cardaços, as pevides) continuavam no local (lagar, tanque ou recipiente, etc.) onde tinham sido pisadas as uvas e aí eram conservados, a fermentar, durante mais cerca de 9 dias. Várias vezes ao dia, a mistura era mexida e se evitava que se lhe juntassem mosquitos, tapando-a com panos ou redes...
O alambique era de cobre, normalmente fabricado pelos latoeiros que havia na zona. A parte de cima, a cabeça, era afixada com a ajuda de uma massa de farinha (de centeio) com água, para vedar o vapor. Igual massa servia para vedar a água, em volta do tubo condensador, de que se fala a seguir.
Alambique
Depois de colocada uma certa quantidade da mistura fermentada no interior do alambique (até um pouco abaixo do fundo do gargalo), este era colocado em suportes próprios, em cima do lume, para a mistura ferver e libertar vapor. Este era obrigado a sair pelo cano/tubo comprido (condensador/serpentina), que descia do cimo da cabeça, passava por dentro de um recipiente com água fria e escorria, já condensado e em pequena quantidade, pelo final do tubo.
O lume que ardia e dava calor devia ser mantido mais ou menos constante, com boas brasas e sem chama. As "torgas" (raízes de uma certa moita do campo) eram a melhor lenha para isso, pois ardiam uniformemente, durante longo período de tempo.
A aguardente saía quente, sendo depois guardada em garrafas e/ou garrafões, que seriam conservados bem fechados, depois de ter arrefecido. Costumava usar-se um cálice muito pequeno para provar a aguardente: se era saborosa, se não cheirava a fumo, se era forte ou fraca... Ao lançar-se um pouco dela às brasas, se ardesse rapidamente, fazendo chama, era sinal de estar forte, ainda ser boa...
Era muito frequente os mais velhos pregarem "partidas" aos rapazes adolescentes, desafiando-os a beberem, de uma só vez (de um trago), um cálice dessa aguardente e imediatamente depois gritarem: "Ó Elvas, ó Elvas". Evidentemente que a voz fica presa! E era engraçado ver essa malta a fugir que nem uns tontos à procura de água!... Bem me lembro de também eu ter caído numa dessas "partidas"!
A primeira aguardente retirada de cada alambicada, era por vezes aproveitada para ser usada como álcool, para as mezinhas caseiras e curativos... A restante ia sendo cada vez mais fraca, à medida que decorria a fervura da mistura. Era normal, pois, misturar (caldear) a aguardente mais forte com a mais fraca.
Uma vez, fiquei sozinho a fazer aguardente, enquanto os meus pais foram acabar de plantar umas couves na "Conecril". Quando eles regressaram, embora o alambique continuasse a produzir bem e eu tivesse apenas retirado 2 a 3 litros, achava que seria já o suficiente para aquela alambicada, "pois a aguardente já saía fraca, parecia-me água". No entanto, o meu pai, mais sabedor do assunto, tratou logo de verificar: provou a aguardente, lançou um pouco dela às brasas e respondeu-me: "Não está nada fraca, tem de dar ainda mais 1 a 2 litros. Ora, tu é que já bebeste muita!..."
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