Hoje, vou aqui começar este tema, de forma abrangente,
reunindo uma série de actividades mais ou menos antigas... (Reparem que já me
sinto na dúvida se hei-de passar a usar o NAO -
Novo Acordo Ortográfico! Na
dúvida, e dada a polémica que se tem levantado sobre o mesmo, creio que, a
partir de agora,
não o vou usar: é curioso que até a
própria sigla me parece ajudar!!! Que acham?).
Mas, como dizia, vou reunir aqui, para
ir actualizando, uma série de actividades e tradições típicas da vida
quotidiana das gentes da nossa aldeia e que estão a passar à história, ou seja,
foram total ou parcialmente abandonadas, mas que mostram o carácter e a
vivência dos nossos antepassados. Neste caso, relato aquilo de que me lembro;
portanto, desde o final dos anos 50... Já agora, se me quiserem fornecer mais
dados, aceito-os, agradecido, pois de muita coisa me vou esquecer nos assuntos
a tratar.
(Nota: Vou escrever um pouco
cada dia, para me poder ir lembrando do máximo de detalhes... E esperar por
vós, pela vossa participação - contacto por e-mail, comentários, etc.!!!)
Eis, então:
1 - A
salgadeira:
O animal mais criado para o
fornecimento de carne era o porco. Porque não havia electricidade na nossa
aldeia, as carnes de porco que não se consumiam no imediato eram salgadas, em
sal grosso, e colocadas em camadas nas salgadeiras.
Eram de madeira e tinham pés ou ficavam
apoiadas em paus, para que não ficassem assentes no chão e, assim, permitir que
algum do líquido (salmoura) que escorresse não fizesse apodrecer a madeira. E
assim, ao longo de todo o ano, à medida que era necessário, se retirava do sal
as peças de carne conservada.
É claro que, com o tempo, alguma carne
sempre ganhava algum ranço (ou arranço), ficando amarelada... Sobretudo se o
sal se derretia à sua volta e se não fosse vigiada...
Cabeça, patas e mãos costumavam ser
colocadas no fundo. Depois, bandas de toucinho, costelas e lombos ou
lombinhos. Os presuntos e chispes também lá ficavam, mas apenas durante
cerca de 2 a 3 meses, sendo, depois, retirados e colocados ao ar, depois de envoltos
numa capa especial de pimentão, etc. Mais tarde, depois de terem sido fumados,
havia quem colocasse na salgadeira também os enchidos.
As excepções à salgadeira, além do
fumeiro, eram: a conservação em azeite de enchidos saídos do fumeiro, dentro de
talhas de barro; febras ou costeletas em banha derretida...
2 - A
talha das azeitonas:
Quase tão fundamental como ter pão, era
ter azeitonas o ano inteiro. Dizia-se que desde que houvesse pão e azeitonas já
não se passava fome! Uma mesa onde não houvesse azeitonas não estava "bem
composta"...
Após a apanha da azeitona, a grande
maioria desta era destinada à produção do azeite, nos lagares. No entanto,
alguma era seleccionada para ser comida. Se se pretendia logo para as semanas
seguintes, era retalhada (com uns golpes), às vezes passada por água a ferver
e, de seguida, metida em água que se mudava frequentemente. Antes de ser
comida, adicionava-se-lhe uns grãos de sal...
Uma maior quantidade de azeitona
destinada ao consumo era colocada dentro duma talha com água. Assim ficava,
simplesmente de molho, durante cerca de um mês. Depois, era lavada (retirada
alguma mole ou podre) e regressava à talha. Adicionava-se-lhe, então, o sal
(farpão, limão...) e assim se conservava para o resto do ano...
Normalmente essa talha era muito grande
(as famílias também costumavam ser grandes e o ano é longo!) e (lembro-me bem)
era uma trabalheira levar essa talha para a rua, onde se costumava mais
facilmente proceder à operação de mudar a água da azeitona!
3 - O fumeiro: enchidos e o paio "nascediço":
Após a matança do(s) porco(s), era
tradição, no mesmo dia, serem feitos os primeiros enchidos (ou chouriças, termo
genérico para os enchidos): as morcelas. É fácil perceber porquê: a carne
ensanguentada e o sangue usado era mais facilmente deteriorável. Por
outro lado, as morcelas não precisavam de ficar a ganhar sabor, como as outras
carnes que eram temperadas, com sal e outros condimentos, e ficavam vários dias
a apurar/marinar...
As morcelas, depois de feitas, levavam
uma fervura de alguns minutos, eram postas a escorrer/arrefecer e logo
colocadas no fumeiro. Por isso, as morcelas, após terem sido esquentadas,
ficavam prontas a poder ser comidas. Muitas das vezes, no dia da matança ou no
seguinte, era hábito comer couves com carne (cozido próprio onde entrava
obrigatoriamente a morcela nova, os bofes, etc.)
À medida que se desmanchava o animal,
eram separadas as diversas carnes que iriam servir para os restantes
enchidos. (Ver ainda o artigo da matança do porco - 22mar2010) - Nos
dias seguintes, eram feitos os restantes enchidos: magras, mouras, bucho,
bexiga, rosqueiros, paios e, por fim, as farinheiras.
Quando o fumeiro estava completo, dava
gosto olhar para aquela quantidade enorme de "chouriças". Era normal
as farinheiras serem em maior número, as que levavam menos carne (juntamente
com farinha, ficando, assim, mais baratas). Eram, pois, o enchido que mais
frequentemente acompanhava as comidas ao longo do ano. Alguns enchidos, como os
paios, ficavam restringidos a ser comidos em ocasiões mais especiais, visto que
eram relativamente poucos, pois eram feitos das tripas grossas do porco -
intestino grosso - que não dava para muitos!...
De entre os paios, havia um, enorme e
grosso, a que era dado o nome de "nascediço" ou "nacediço"!
A malta costumava brincar com esse nome, por se confundir com "não se
disse": - "Como é que se chama aquele paio?" -
"Nacediço!" - "Então porque é que estás a dizer?"
4 - As arcas dos cereais:
Tal como as
salgadeiras, eram de madeira e muitas vezes afastadas do contacto directo com o
chão, para não absorverem a humidade (no inverno). O trigo, centeio e milho,
depois de trazidos das eiras, eram para aqui despejados e se conservavam ao
longo do ano. Paralelamente, havia por vezes também arcas para a farinha dos
mesmos cereais: depois de moídos, a farinha era trazida em taleigos e para aí despejada, onde se conservava até ao seu consumo...
Havia muito o hábito de esconder ou
conservar algumas frutas e pão no meio dos cereais!... Talvez para desviar a
atenção dos ratos, mas era frequente estes abrirem buracos nas arcas, sobretudo
nas partes mais escondidas, sem serem detectados e por aí entrarem e fazerem o
seu roubo!
Convém lembrar que, nas casas rurais,
os ratos sempre foram um grande problema, tentando apoderar-se dos bens dos proprietários.
Por isso, não havia família que não possuísse pelo menos um gato ou gata. Além
disso, estes animais eram (e são) uma protecção contra alguns insectos e répteis...
(Ao contrário, os cães eram muito pouco habituais na nossa aldeia...)