terça-feira, 30 de março de 2010

Aos Taralhões

Como sabem, existe uma grande variedade de pássaros na nossa região. Alguns permanecem por cá todo o ano (os autóctones: pardais, melros, tentilhões, etc.), enquanto outros (migradores) aparecem em certas alturas do ano. Destes saliento: na Primavera, as andorinhas e os cucos, e, no final do Verão e princípio do Outono (de Agosto a Outubro), os designados de “taralhões” (felosas, galegos, moscanhos, piscos, etc.) e, mais tarde ainda, de Novembro em diante, os tordos.

Cuco.

Tordo.

Parte do tempo dos rapazes era passado a “dominar a natureza”, do seguinte modo: na Primavera, à procura dos ninhos; no Verão, fazia-se a caça aos pardais (desviando-os do milho e das medas nas eiras); no Outono, a apanhar os “taralhões”; e, no Inverno, tentava-se apanhar tordos, melros e alguns piscos restantes.
    
A actividade que mais nos animava era a caça aos taralhões, que começava normalmente no princípio de Setembro. Mas antes, era necessário ir à procura das “agúdias” (formigas de asas), que eram procuradas nos formigueiros e tiradas até às primeiras chuvas do final do Verão. Eram contadas em “moios” (1 moio = 60 unidades), guardadas em beterrabas (às quais se retirava parte do miolo, ficando o restante para seu alimento) ou em cabaças (variedade de abóbora). Nestas, era preciso alimentá-las com farelos ou “escardaços” (cardaço, bagaço de uvas). Na mesma altura, era fundamental preparar as armadilhas (costelas): ver se armavam e desarmavam bem, colocar os suportes para fixar as agúdias, amarrar-lhes um cordel para as atar, se necessário, etc.

A época começava com as felosas, que eram normalmente bem gordinhas e se alimentavam principalmente de figos e amoras. Depois surgiam os galegos, os ferreiros, as rabetas, os rouxinóis, os moscanhos e, mais tarde, os piscos, magrinhos e esfomeados, que apareciam em grande quantidade.
  
Os tordos apareciam no final do Outono ou início do Inverno, alimentando-se da azeitona. Havia, ainda, outros, que mais dificilmente eram apanhados, principalmente os autóctones (pardal, melro, tentilhão, meijengra/mejengra, etc.). Ocasionalmente, apanhavam-se ainda alvéolas, carriças, cotovias, pardinhas, gaios, mochos, etc.
                            
Felosa.

   Galego.

Pisco.

Ainda bem antes do nascer do sol, pegava-se nas agúdias e nas costelas (juntas num "arameiro") e começava-se a caçada. As costelas eram armadas pelos campos, adotando algumas técnicas de orientação e disfarce da armadilha (em cima ou por baixo de figueiras, silvas, trovisqueiros, outras árvores de fruta, etc.) com as agúdias presas, bem visíveis e vivas, a atrair a passarada…

Depois, havia várias visitas a cada armadilha, para retirar o que tivesse ficado preso na mesma e voltar a armar. Os taralhões apanhados eram colocados e transportados, presos pelos bicos, nesse "arameiro" ou noutro.

Após uma caçada, com os taralhões.
(Composição feita a partir de fotos de 1992/1993... Actualização feita em 14abr2011)

Isto decorria por toda a manhã, proporcionando um "gozo" indescritível, sobretudo quando a caçada era boa ou quando se presenciava algum dos pássaros, no preciso momento em que era apanhado na costela. Às vezes chegava-se ao ponto de os fazer atrair às costelas, cantando como eles ou enxotando-os para perto delas...

Havia ainda outras formas de apanhar os pássaros: com fios ou linhas enterrados, tendo na ponta um grão de milho (para os pardais); com aboízes (para tordos, melros, gaios – usando um laço ligado a uma vara em tensão, que puxava o laço quando picado o isco – até se apanhavam perdizes!); com fisgas (pau em forma de forquilha com elástico para atirar pedras); com arma de pressão de ar e chumbo; com lanterna (de noite, por baixo das árvores). O visco (produto pegajoso, onde os pássaros ficam presos pelas patas) e a rede não eram usados na nossa zona…

Depois dum dia de caçada, o que menos agradava era a tarefa de tirar as penas aos pássaros e limpá-los das tripas, o que podia levar horas a fazer, dependendo da quantidade apanhada. Mas, depois, quão saborosos eram: fritos, assados, cozidos com arroz ou molho de tomate, etc.! - (receitas típicas...)

Creio que actualmente já ninguém se arrisca a passar um dia aos taralhões, como antigamente, pois mudam-se os tempos!...

E alguns pássaros acabaram por desaparecer completamente, devido ao facto de se ter deixado de fazer cearas nos campos e de as hortas terem diminuído significativamente (declínio da actividade agrícola)… Estou a lembrar-me, por exemplo, dos cuelvos, picanços, pardinhas, papa-figos…

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Agora, a brincar:

Qualquer dia ainda nos arriscamos a ver/ouvir um miúdo a dizer o seguinte:


4 comentários:

  1. olá, ainda hoje em dia faço dexaz, com 17 anos adoro faxer ixo kom o meu cunhado, este ano ja apanhamos mais ou menos 700 agudias para ir este fim de semana aos taralhoes,,,,adoro isto... bom post, abraço

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  2. Hoje é muito perigoso fazer isso: há mais fiscalização e consciência (exigência!) ambiental...
    Vão uns passarinhos fritos?!...

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  3. é uma vergonha nacional diante dos olhos de toda a gente
    os passarinhos estão protegidos por lei mas morrem aos milhares para os petiscos
    com as espécies em vias de extinção, as frutas e legumes e árvores sem protecção das pragas,
    é um autentico crime ambiental

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  4. Concordo,em parte, com o que diz este "anónimo", mas, naquela época, havia tantos passarinhos que eram uma tentação, digamos mesmo uma tradição. Claro que os tempos mudaram e agora já não há disto, há muitos anos que deixou de ser assim. A nossa consciência ambiental e o respeito pela natureza são outros...

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