quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A fogueira de Natal e a ida aos madeiros

Nos dias que antecediam a noite de Natal, os rapazes da aldeia reuniam-se e, pela calada da noite, começavam a juntar os madeiros para a fogueira que iria ser acesa na noite de Natal. (Lembro-me dum ano em que também as raparigas se juntaram aos rapazes, quando fomos na camioneta do falecido primo Domingos Mendes carregar troncos de oliveira, entre o nó do IC8 e a "Fonte de Meio Alqueire" - quem sabe onde é?)...

Madeiros preparados para a fogueira (em Proença, 2010 - foto do Raul Sonso)     

Normalmente, já se tinha "deitado o olho" às azinheiras e/ou oliveiras que seriam "sacrificadas", quer estivessem ou não abandonadas. Tanto podiam estar ainda em crescimento como já cortadas, ou apenas ser um bocado (cepo, tronco, etc.)...

As árvores eram quase sempre pertencentes a alguém que fosse de fora da aldeia. Portanto, era conveniente que ninguém se apercebesse da apropriação das mesmas! Como tal, havia um secretismo máximo tanto na seleção das árvores como no seu abate, transporte e guarda até ao dia em que iriam ser queimadas.

A lenha/toros era transportada numa carroça (se necessário, duas), que os rapazes puxavam e/ou empurravam. Lembro-me de algumas vezes ter de ser levada pelo ar, ou então rodar muito devagar, para não fazer barulho ao passar junto de casas/pessoas doutras aldeias...
    
Além da carroça, muníamo-nos de serras, serrotes (raramente machados, para não fazer muito ruído), cordas e picaretas/enxadões... O pessoal era obrigado a bom esforço físico, tanto para cortar e carregar as árvores, como para fazer rolar a carroça, por diversos tipos de piso... E, no escuro da noite, só tínhamos a ajuda do luar ou de lanternas a pilhas ("foxes").

Havia uma grande rivalidade entre aldeias vizinhas, cada qual tentando surpreender (roubando) aos outros! Até chegávamos a simular ataques aos tiros ou à bomba, pelos cabeços abaixo, para afugentar outros competidores e apoderarmo-nos de certo cepo/árvore que eles pretendiam. Uma vez, um proprietário de um cepo já velho, junto à estrada da Bairrada, resolveu ir passar parte da noite junto do seu cepo, para o guardar. Mas, creio que acabámos por lhe deitar o fogo, ali mesmo no local, um tempo depois do Natal, já que não o conseguimos levar...

Os madeiros eram guardados, escondidos em currais ou palheiros. No dia 24, à tardinha, era preparada a fogueira, com a colocação dos madeiros em pilha, juntamente com ramos e carquejas (ou até palha). À hora fixada, era então acesa, às vezes com a ajuda de óleo queimado, sobretudo se chovesse ou a lenha estivesse molhada. As labaredas e faúlhas iluminavam então o Largo da Fonte (actualmente Largo P.e José Alves Júnior), o local mais central da aldeia e, portanto, de eleição para todo o tipo de convívios e eventos...

Junto da fogueira compareciam, então, quase todas as pessoas da aldeia. Por tradição, era nessa noite que se costumava fazer as filhós (ou "filhoses"). Havia quem trouxesse algumas para se provar, juntamente com algum vinho ou aguardente e, creio, até mel!...

Costumava, às vezes, entoar-se alguns cânticos (de Natal ou outros), ao redor da fogueira. Um, muito usado, tinha a seguinte letra: "Natal, Natal, filhoses com mel não fazem mal; Natal, Natal, filhoses com vinho não fazem mal"... Era uma noite especial de convívio, do mais salutar e genuíno...

Actualmente, as técnicas e tácticas para arranjar madeiros são outras, assim como o tamanho da fogueira!... Mas convém continuar a manter estas tradições...



Fotos da fogueira, no Natal de 2004.

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