domingo, 27 de maio de 2012

Noutros tempos... (1)

Hoje, vou aqui começar este tema, de forma abrangente, reunindo uma série de actividades mais ou menos antigas... (Reparem que já me sinto na dúvida se hei-de passar a usar o NAO - Novo Acordo Ortográfico! Na dúvida, e dada a polémica que se tem levantado sobre o mesmo, creio que, a partir de agora, não o vou usar: é curioso que até a própria sigla me parece ajudar!!! Que acham?).

Mas, como dizia, vou reunir aqui, para ir actualizando, uma série de actividades e tradições típicas da vida quotidiana das gentes da nossa aldeia e que estão a passar à história, ou seja, foram total ou parcialmente abandonadas, mas que mostram o carácter e a vivência dos nossos antepassados. Neste caso, relato aquilo de que me lembro; portanto, desde o final dos anos 50... Já agora, se me quiserem fornecer mais dados, aceito-os, agradecido, pois de muita coisa me vou esquecer nos assuntos a tratar.

(Nota: Vou escrever um pouco cada dia, para me poder ir lembrando do máximo de detalhes... E esperar por vós, pela vossa participação - contacto por e-mail, comentários, etc.!!!)

Eis, então:

1 - A salgadeira:


(Ver também o artigo sobre a matança do porco:
http://vale-da-carreira.blogspot.com/2010/03/matanca-do-porco.html)

O animal mais criado para o fornecimento de carne era o porco. Porque não havia electricidade na nossa aldeia, as carnes de porco que não se consumiam no imediato eram salgadas, em sal grosso, e colocadas em camadas nas salgadeiras.

Eram de madeira e tinham pés ou ficavam apoiadas em paus, para que não ficassem assentes no chão e, assim, permitir que algum do líquido (salmoura) que escorresse não fizesse apodrecer a madeira. E assim, ao longo de todo o ano, à medida que era necessário, se retirava do sal as peças de carne conservada.

É claro que, com o tempo, alguma carne sempre ganhava algum ranço (ou arranço), ficando amarelada... Sobretudo se o sal se derretia à sua volta e se não fosse vigiada...

Cabeça, patas e mãos costumavam ser colocadas no fundo. Depois, bandas de toucinho, costelas e lombos ou lombinhos. Os presuntos e chispes também lá ficavam, mas apenas durante cerca de 2 a 3 meses, sendo, depois, retirados e colocados ao ar, depois de envoltos numa capa especial de pimentão, etc. Mais tarde, depois de terem sido fumados, havia quem colocasse na salgadeira também os enchidos.

As excepções à salgadeira, além do fumeiro, eram: a conservação em azeite de enchidos saídos do fumeiro, dentro de talhas de barro; febras ou costeletas em banha derretida...

2 - A talha das azeitonas:

Quase tão fundamental como ter pão, era ter azeitonas o ano inteiro. Dizia-se que desde que houvesse pão e azeitonas já não se passava fome! Uma mesa onde não houvesse azeitonas não estava "bem composta"...

Após a apanha da azeitona, a grande maioria desta era destinada à produção do azeite, nos lagares. No entanto, alguma era seleccionada para ser comida. Se se pretendia logo para as semanas seguintes, era retalhada (com uns golpes), às vezes passada por água a ferver e, de seguida, metida em água que se mudava frequentemente. Antes de ser comida, adicionava-se-lhe uns grãos de sal...

Uma maior quantidade de azeitona destinada ao consumo era colocada dentro duma talha com água. Assim ficava, simplesmente de molho, durante cerca de um mês. Depois, era lavada (retirada alguma mole ou podre) e regressava à talha. Adicionava-se-lhe, então, o sal (farpão, limão...) e assim se conservava para o resto do ano... 

Normalmente essa talha era muito grande (as famílias também costumavam ser grandes e o ano é longo!) e (lembro-me bem) era uma trabalheira levar essa talha para a rua, onde se costumava mais facilmente proceder à operação de mudar a água da azeitona!

3 - O fumeiro: enchidos e o paio "nascediço":

Após a matança do(s) porco(s), era tradição, no mesmo dia, serem feitos os primeiros enchidos (ou chouriças, termo genérico para os enchidos): as morcelas. É fácil perceber porquê: a carne ensanguentada e o sangue usado era mais facilmente deteriorável. Por outro lado, as morcelas não precisavam de ficar a ganhar sabor, como as outras carnes que eram temperadas, com sal e outros condimentos, e ficavam vários dias a apurar/marinar...

As morcelas, depois de feitas, levavam uma fervura de alguns minutos, eram postas a escorrer/arrefecer e logo colocadas no fumeiro. Por isso, as morcelas, após terem sido esquentadas, ficavam prontas a poder ser comidas. Muitas das vezes, no dia da matança ou no seguinte, era hábito comer couves com carne (cozido próprio onde entrava obrigatoriamente  a morcela nova, os bofes, etc.) 

À medida que se desmanchava o animal, eram separadas as diversas carnes que iriam servir para os restantes enchidos. (Ver ainda o artigo da matança do porco - 22mar2010) - Nos dias seguintes, eram feitos os restantes enchidos: magras, mouras, bucho, bexiga, rosqueiros, paios e, por fim, as farinheiras.

Quando o fumeiro estava completo, dava gosto olhar para aquela quantidade enorme de "chouriças". Era normal as farinheiras serem em maior número, as que levavam menos carne (juntamente com farinha, ficando, assim, mais baratas). Eram, pois, o enchido que mais frequentemente acompanhava as comidas ao longo do ano. Alguns enchidos, como os paios, ficavam restringidos a ser comidos em ocasiões mais especiais, visto que eram relativamente poucos, pois eram feitos das tripas grossas do porco - intestino grosso - que não dava para muitos!...

De entre os paios, havia um, enorme e grosso, a que era dado o nome de "nascediço" ou "nacediço"! A malta costumava brincar com esse nome, por se confundir com "não se disse": - "Como é que se chama aquele paio?" - "Nacediço!" - "Então porque é que estás a dizer?"

4 - As arcas dos cereais:

Tal como as salgadeiras, eram de madeira e muitas vezes afastadas do contacto directo com o chão, para não absorverem a humidade (no inverno). O trigo, centeio e milho, depois de trazidos das eiras, eram para aqui despejados e se conservavam ao longo do ano. Paralelamente, havia por vezes também arcas para a farinha dos mesmos cereais: depois de moídos, a farinha era trazida em taleigos e para aí despejada, onde se conservava até ao seu consumo...

Havia muito o hábito de esconder ou conservar algumas frutas e pão no meio dos cereais!... Talvez para desviar a atenção dos ratos, mas era frequente estes abrirem buracos nas arcas, sobretudo nas partes mais escondidas, sem serem detectados e por aí entrarem e fazerem o seu roubo!

Convém lembrar que, nas casas rurais, os ratos sempre foram um grande problema, tentando apoderar-se dos bens dos proprietários. Por isso, não havia família que não possuísse pelo menos um gato ou gata. Além disso, estes animais eram (e são) uma protecção contra alguns insectos e répteis... (Ao contrário, os cães eram muito pouco habituais na nossa aldeia...)